Da doença à morte.
Da morte à vida .
O texto de Jo 11,1-46 11 1 Estava doente um certo homem, Lázaro, de Betânia, povoação de Maria e de sua irmã Marta.
2 Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume e lhe tinha enxugado os pés com os cabelos; seu irmão Lázaro estava doente.
3 As suas irmãs mandaram dizer‑lhe:
“Senhor, aquele de quem gostas está doente.”
4 Ouvindo isto, Jesus disse: “Essa doença não é para a morte, mas para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por meio dela.”
5 Jesus amava Marta, sua irmã e Lázaro.
6 Quando ouviu dizer que estava doente, permaneceu ainda dois dias no lugar onde se encontrava. 7 Depois disto, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia.”
8 Os discípulos perguntaram‑lhe: “Rabi, ainda agora os judeus procuravam lapidar‑te e vais para lá outra vez?”
9 Jesus respondeu‑lhes:
“Não são doze as horas do dia?
Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo;
10 mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque a luz não está nele.”
Isto, acrescentou:
“O nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou despertá‑lo.”
12 Os discípulos exclamaram: “Senhor, se adormeceu, salvar‑se‑á!”
13 Porém, Jesus falara da sua morte e eles supuseram que tinha falado do repouso do sono. 14 Então, Jesus disse‑lhes abertamente: “Lázaro morreu.
15 E alegro‑me por vós de não ter estado lá, para que venhais a acreditar. Mas vamos ter com ele!” 16 Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos: “Vamos nós também para morrermos com ele.” 17 Quando Jesus chegou, encontrou‑o sepultado havia já quatro dias.
18 Betânia estava perto de Jerusalém, a uns quinze estádios.
19 Muitos judeus tinham vindo ter com Marta e Maria para as consolar pelo irmão.
20 Quando Marta ouviu dizer que Jesus vinha, foi ao seu encontro. Maria ficou sentada em casa.
21 Então, Marta disse a Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.
22 Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, ele to dará.”
23 Jesus afirmou‑lhe: “Teu irmão ressuscitará.”
24 Marta respondeu‑lhe: “Sei que ressuscitará na ressurreição no último dia!”
25 Jesus declarou‑lhe: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem acredita em mim, ainda que morra, viverá.
26 E todo aquele que vive e acredita em mim nunca morrerá. Acreditas nisso?”
27 Ela respondeu‑lhe: “Sim, Senhor, eu acredito que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que vem ao mundo.” 28 Tendo dito isto, foi e chamou Maria, sua irmã, dizendo‑lhe baixinho: “O Mestre está cá e chama‑te.” 29 Assim que ela ouviu isto, levantou‑se rapidamente e foi ter com ele.
30 Jesus não tinha chegado à povoação, estava ainda no lugar onde Marta lhe viera ao encontro.
31 Quando os judeus, que estavam em casa com ela, consolando‑a, viram Maria levantar‑se rapidamente e sair, seguiram‑na, supondo que fosse ao sepulcro para aí chorar.
32 Quando Maria chegou ao lugar onde Jesus estava, vendo‑o, prostrou‑se a seus pés e disse‑lhe: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.”
33 Quando Jesus a viu chorar e aos judeus que a acompanharam a chorar também, comoveu‑se interiormente e perturbou‑se.
34 E perguntou: “Onde o colocaram?” Responderam‑lhe: “Senhor, vem e vê.”
35 Jesus chorou.
36 Os judeus, então, exclamaram: “Vede como gostava dele!”
37 Alguns deles perguntaram: “Não podia este, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que ele não morresse?”
38 Jesus, de novo, comoveu‑se interiormente e veio ao sepulcro: era uma gruta, e tinha uma pedra colocada sobre ela.
39 Jesus disse: “Retirai a pedra.” Marta, a irmã do morto, disse‑lhe: “Senhor, já cheira mal: é o quarto dia!” Jesus perguntou‑lhe:
40 “Não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?”
41 Então retiraram a pedra. Jesus levantou os olhos ao alto e disse: “Pai, dou‑te graças por me teres ouvido.
42 Eu sabia que me ouves sempre, mas disse‑o pela multidão que me rodeia, para que acreditem que tu me enviaste.”
43 Tendo dito isso, bradou em alta voz: “Lázaro, vem para fora.”
44 O morto saiu com as mãos e os pés ligados com vendas e com o rosto envolto num sudário. Jesus disse‑lhe: “Libertai‑o e deixai‑o andar.”
45 Então muitos dos judeus que tinham vindo ter com Maria, vendo o que ele fizera, acreditaram nele.
46 Alguns deles, porém, dirigiram‑se aos fariseus e disseram‑lhes aquilo que Jesus fizera. Enquadramento de Jo 11,1-46 no quarto Evangelho A estrutura basilar do testemunho joanino é bastante simples: Introdução (1,1-51)
O texto do quarto Evangelho começa com uma magistral introdução composta por um prólogo poético (cf. 1,1-18) e um prólogo narrativo (cf. 1,19-51).
A introdução serve de abertura, de resumo e de chave de leitura do Evangelho.
A vida pública de Jesus decorre ao longo dos capítulos 2-12 em três principais etapas, onde, resumidamente, o Unigénito de Deus:
1) chama o povo à unidade em Deus para salvar o mundo (cf. 2,1-4,54); 2) revela a vida do Pai (cf. 5,1-8,59); 3) manifesta a vida do Pai (cf. 9,1-12,50).
A Última Ceia descrita em cinco capítulos (13,1-17,26), praticamente uma quarta parte do testemunho joanino, é uma autêntica comunicação da vida de Jesus àqueles que o escutam feita através de dois discursos e de uma oração dirigida ao Pai pela unidade dos seus discípulos.
A glorificação do Rei dos Judeus é testemunhada em 18,1-19,42. Depois de Jesus se entregar ao seu povo (cf. 18,1-14) e de enfrentar Anás, enquanto Pedro o nega por três vezes (cf. 18,15-27), o Senhor é entregue por Pilatos aos judeus como Rei (cf. 18,28-19,16). Então, em 19,17-42, consuma-se o Evangelho joanino com a glorificação do Salvador do mundo. O Evangelho termina com a conclusão em 20,1-21,25, composta por dois epílogos. Em síntese, no primeiro epílogo, o capítulo 20, o autor testemunha a manifestação do Senhor Jesus glorificado na unidade dos discípulos. No segundo epílogo, o capítulo 21, o Senhor manifesta-se nos discípulos, atraindo o mundo inteiro à sua vida em Deus.
O quarto Evangelho 1,1-51 1,1-18 1,19-51 2,1-12,50 2,1-4,54 5,1-8,59 9,1-12,50 13,1-17,26 13,1-35 13,36-14,31 15,1-16,33 17,1-26 18,1-19,42 18,1-19,16 19,17-42 20,1-21,25 20,1-31 21,1-25
A vida pública de Jesus Jesus chama o povo à unidade em Deus para salvar o mundo Jesus revela a vida do Pai Jesus manifesta a vida do Pai II – A última Ceia O Senhor quer levar os discípulos ao Pai Primeiro discurso de Jesus Segundo discurso de Jesus A oração do Filho ao Pai pela unidade dos seus III – A glorificação do Rei dos Judeus O caminho para a glória do Filho de Deus A glorificação do Rei dos Judeus.
Jesus manifesta-se na unidade dos discípulos (1.º epílogo) O Senhor manifesta-se ao mundo na unidade dos seus (2.º epílogo) Enquadramento de Jo 11,1-46 em 9,1-12,50 No seguimento da grande revelação de Jesus (cf. 5,1-8,59), nos capítulos 9-12, o Unigénito de Deus manifesta a vida do Pai naqueles que acolhem a sua palavra. Esta nova etapa da vida do Filho de Deus entende-se à luz de uma verdade vital: Jesus é o lugar de encontro do povo com Deus, pois ele e o Pai são ‘um’ (cf. 8,58; 10,22-39).
Assim sendo, naqueles que, como o cego de nascença (cf. 9,1-41) e Lázaro (cf. 11,1-46), acolhem a palavra de Jesus, é manifestada a vida de Deus; e naqueles que, como alguns líderes judeus (cf. 10,1-6), não acolhem a palavra. de Jesus, são manifestadas as obras de satanás e, por isso, são contra o Bom Pastor, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Portanto, os capítulos 9, 10 e 11 formam uma unidade literária centrada na manifestação do Filho de Deus.
Cada um dos capítulos é marcado por uma significativa oposição: ver e não ver (cap. 9); reunir e dispersar (cap. 10); viver e morrer (cap. 11). No capítulo 12, chegada a hora do Senhor, completa-se a sua vida pública e prepara-se a sua glorificação.
No capítulo 9, onde realiza o sexto sinal, Jesus começa por abrir os olhos a um cego e por revelar o pecado naqueles que veem. Desse modo, aquele que disse ser a Luz do mundo (cf. 8,12) marca como ponto de partida da sua manifestação a necessidade de o povo ver como ele vê Deus.
No capítulo 10, Jesus manifesta ser o lugar onde o povo encontra Deus, pois ele e o Pai são ‘um’. Por isso, diz-nos o Unigénito, ele é a Porta das ovelhas, é o Bom Pastor, e quem se apascenta a si mesmo é ladrão e dispersor. No capítulo 11, o Senhor manifesta a sua glória, ressuscitando Lázaro (cf. 11,1-46), o sétimo e derradeiro sinal do Filho de Deus. Em seguida, o sinédrio decide matá-lo (cf. 11,47-53) e ele retira-se para Efraim (cf. 11,54-57).
O capítulo 12 confirma-nos que Jesus vai a caminho da sua hora:
1) a comunidade em Betânia unge-o como Senhor (cf. 12,1-11);
2) o povo em Jerusalém acolhe-o como Rei (cf. 12,12-19);
3) o mundo procura-o como Salvador (cf. 12,20-36).
No auge da descrença da multidão e do medo dos chefes dos judeus em confessar a fé (cf. 12,37-43), Jesus chama todos a acreditar na sua palavra (cf. 12,44-50).
A ressurreição de Lázaro (11,1-46) Depois de manifestar em quem acolhe a sua palavra o poder de ver Deus como ele o vê (cf. 9,1ss) e de manifestar a sua vida no Pai como o lugar de unidade do povo (cf. 10,1ss), no capítulo 11, Jesus manifesta em Lázaro a vida de Deus (cf. 11,1-44).
Como resposta ao sétimo e derradeiro sinal do Senhor, muitos judeus, vendo o que ele fazia, acreditaram; outros, porém, dirigiram- -se aos fariseus (cf. 11,45-46). Então, o sinédrio reúne-se para decidir a sua morte (cf. 11,47-53) e, depois, Jesus retira-se para completar a sua missão (cf. 11,54-57).
A doença de Lázaro Jesus vai com os discípulos a Betânia Marta e a Ressurreição e a Vida Maria conduz os judeus a Jesus Maria, os judeus e Jesus choram Jesus ressuscita Lázaro Muitos acreditam, alguns dirigem-se aos fariseus A doença de Lázaro (11,1-6).
O autor joanino começa por apresentar-nos Lázaro, em torno de quem se desenrola a ação até 12,11. Lázaro estava doente (cf. 11,1) e a sua doença já desperta o nosso olhar para a unção, que uma das suas irmãs, Maria, fez (fará) a Jesus (cf. 12,1-11).
O pedido das irmãs de Lázaro enviado a Jesus (“Senhor, aquele de quem gostas está doente.” – 11,3), introduz três elementos vitais no texto:
1) Jesus é o Senhor;
2) o amor é o elo que une Jesus e Lázaro;
3) Lázaro está doente e, como veremos, a sua doença levá-lo-á à morte e, depois, à vida. No versículo 5, o autor insiste em colocar o evento no domínio do amor: Jesus amava Marta, sua irmã e Lázaro (11,5).
Efetivamente, de acordo com o quarto Evangelho, o poder (ou o conteúdo da vida) de Jesus é o amor do Pai (o autêntico amor recíproco), que se realiza em quem o recebe como vida, e essa é a glória de Deus (cf. 11,4.40).
Na realidade, Lázaro prepara a aparição do discípulo amado, aquele que, como o irmão de Maria e de Marta, recebe a vida de Jesus e vive sempre em relação com o Unigénito.
Como é característico no quarto Evangelho, para melhor avaliarmos o sentido do nosso texto, importa atender ao sentido binário das oposições, dos simbolismos, das ironias e dos mal-entendidos que o atravessam para alcançarmos o poder da palavra que nos é dada.
Esse ritmo semântico binário, que se expressa de diversas maneiras, além de constituir uma característica do autor, baseia-se na compreensão diferenciada que as diversas personagens e o autor joanino têm de Jesus.
Para o autor joanino, os sinais de Jesus manifestam a glória do Pai e do Filho em quem acredita.
Para aqueles que não reconhecem o Unigénito de Deus e que, por isso, o menosprezam, os sinais do Filho tornam-se um drama, porque o seu pensar leva-os ao medo e o medo destes leva-os a quererem eliminar o Salvador do mundo (cf. 4,42).
Não obstante, Jesus assegura-nos a Ressurreição e a Vida; porém, para a termos, é necessário morrer, morrer das doenças deste mundo. Por isso, Jesus permanece dois dias onde estava (cf. 11,6) para no terceiro dia manifestar a Ressurreição e a Vida em Lázaro (cf. 11,17ss; 20,1ss). Desse modo, o autor joanino confirma que Jesus é Senhor da história que os líderes judeus pensavam orquestrar (cf. 10,39-42; 11,47-53) e Senhor da história que a família de Betânia vivia (cf. 11,1-12,11).
Portanto, o texto convida-nos, desde o início, a fazer uma opção entre a história pensada pelos homens (e a história eventualmente por nós pensada) e a história da salvação recriada pela ação da palavra de Jesus. Nesse sentido, como será evidente ao longo de toda a ação, os versículos 1-46 não nos dão apenas a conhecer Lázaro, que Jesus, no decorrer da sua vida pública, ressuscitou dos mortos.
A verdadeira cura e a autêntica ressurreição de Lázaro brotam da glorificação de Jesus.
Tanto assim que, relendo a experiência de Lázaro, esta é-nos dada como testemunho de vida para que, acreditando, vivamos curados e tenhamos a vida (cf. 20,30-31).
Para o autor joanino, em Jesus glorificado encontra-se a totalidade da vida, sem a qual nada existe (cf. 1,1-5; 1Cor 8,5-6; Cl 1,15-17). O Senhor, o Logos feito carne ressuscitado, é o único vivente absolutamente vivo e, por isso, vivificante de todo o ser (cf. Gn 2,7.9).
A Palavra viva de Jesus é a plenitude de vida de tudo aquilo que existe.
No princípio tudo era bom e o homem muito bom (cf. Gn 1,4ss); em Cristo, o ser humano encontra e vive a sua plenitude, viver como filho de Deus1. De facto, a glorificação de Jesus (cf. 19,17-42), segundo o autor joanino, é um eterno e vivo evento comunicativo para todos aqueles que se dispõem a escutá-lo. Da glória de Jesus, brotam três frutos vitais:
1) o Rei dos Judeus venceu o dominador do mundo (satánas) que perdeu o seu poder e que ficou manietado, lutando contra si mesmo;
2) o Salvador do mundo concedeu ao género humano o poder de ser filho de Deus, atraindo-o à sua vida no Pai; 3) aqueles que acolhem a vida comunicada pelo Senhor vivem como filhos de Deus.
Por isso, a partir do momento em que recebe a vida do Unigénito, Lázaro passa a ser apresentado como aquele que Jesus ressuscitou dos mortos (cf. 12,1.9).
Aliás, o irmão de Maria e de Marta nunca fala no Evangelho e surge sempre em relação com Jesus. 1 Cf. G. Theissen, Die Religion der ersten Christen. Eine Theorie des Urchristentums (Gütersloh 2000) 56ss
O silêncio de Lázaro é, por um lado, o lugar onde a palavra de vida eterna do Senhor encontra morada para o ressuscitar e para lhe dar a vida, e, por outro, o seu silêncio, mais do que qualquer outra palavra, fala-nos na própria vida de Lázaro, sinal vivo da palavra de Deus recebida. Efetivamente, para o autor joanino, assim como para ‘ver’ é necessário ‘ser cego’ (cf. 9,1ss) e para ‘viver’ é preciso ‘morrer’ (cf. 11,1ss), assim, para ‘acolher a palavra’, é preciso ‘silenciar as palavras deste mundo’.
Em verdade, Lázaro aparece particularmente unido à vitória de Jesus, pois foi o único, entre aqueles que caminharam com o Senhor, que foi ressuscitado pelo poder de Deus e que foi condenado à morte pelas autoridades. A experiência de Lázaro confirma ainda as palavras de Jesus: “Chegará a hora em que aquele que vos matar pensa que oferece culto a Deus” (16,2). Jesus vai com os discípulos a Betânia (11,7-16) .
Os versículos 7-16 começam com o desejo inicial de Jesus: “Vamos de novo à Judeia” (11,7), e terminam com o desejo de Tomé: “Vamos nós também para morrermos com ele” (11,16). Importa, por isso, atendermos à sucessão dos verbos de movimento nos versículos 7-16: – “Vamos de novo à Judeia.” (11,7) g “… e vais para lá outra vez?” (11,8) g “Se alguém caminha de dia, não tropeça…” (11,9) g “… mas se alguém caminha de noite, tropeça…” (11,10) g “… mas vou despertá‑lo.” (11,11) g “Mas vamos ter com ele!” (11,15) g “Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos: ‘Vamos nós também para morrermos com ele.’” (11,16). Mesmo sendo perseguido, como lhe lembram os discípulos (cf. 11,8), o Salvador do mundo (cf. 4,42) deseja regressar à Judeia para cumprir a sua missão. Como recorda Jesus, quem caminha com ele tem a luz e não teme, pois ele é a Luz do mundo (cf. 11,10; 8,12; 9,4ss).
Assim, o Unigénito revela, uma vez mais, o seu poder e o seu desejo de nos dar a vida no Pai. Em verdade, Jesus é a luz do ser humano (cf. 8,12);ou seja, a vida dada por Jesus, toda contida e inesgotável na sua Palavra, o princípio de todas as criaturas (cf. Sl 119,105), é para nós, ela mesma, o conteúdo realizador da nossa existência (cf. Pr 8,22-31; Sb 6-9).
A palavra de Jesus ressuscitado sacia, realiza, ilumina, conduz, pois é a vida das nossas vidas (cf. 4,1ss; 6,1ss). Sabendo da morte de Lázaro, Jesus refere-se a ela como a um sono, pois sabia que iria acordá-lo, ou seja, levá-lo à vida (cf. 11,11; 4,15; At 7,60; 13,36; Ef 5,14). Porque o Logos feito carne é a vida dos homens (cf. 1,1-5), Jesus refere- -se ainda à sua alegria, não por Lázaro, mas por poder levar a humanidade a acreditar (cf. 11,15). De tal modo que o texto fala-nos da morte de Jesus (cf. 189 11,8), da morte de Lázaro (cf. 11,11-14) e da morte dos discípulos (cf. 11,16) em vista da vida de todos em Deus2. O Bom Pastor designa Lázaro como “o nosso amigo” (11,11), pois quer inserir os seus discípulos no seu domínio de amor (cf. 13,1ss; 21,15-19). Num nós coral, após a sua indecisão inicial (cf. 11,8), Tomé dispõe-se a seguir o Bom Pastor (cf. 11,16), sem perceber que Jesus ia para a vida e não para a morte. Tomé vai a caminho da autêntica confissão de fé, pois a sua intervenção no versículo 16 antecede: 1) o seu desejo de conhecer o caminho de Jesus (cf. 14,4-6);
2) a sua dispersão da comunidade (cf. 20,19-24); 3) o seu não acreditar na palavra dos discípulos (cf. 20,25);
O seu desejo de tocar o ressuscitado (cf. 20,25-27); 5) a sua confissão: “Meu Senhor e meu Deus” (20,28); 6) a sua nomeação entre os que estão com Pedro na barca (cf. 21,2).
Resumindo;
Tomé será de tal modo iluminado, que a ele Jesus dirá: “Felizes os que acreditaram sem terem visto” (20,28), pois vivem iluminados. Jesus e o Pai são ‘um’ (cf. 10,22-39) e Tomé unir-se-á a Jesus (cf. 20,28), e essa é a verdadeira iluminação.
Assim, torna-se claro como a ação testemunhada em 11,1ss quer-nos guiar para a hora da glorificação do Senhor: os discípulos temiam ir à Judeia;
Tomé pensa que vai para a morte; Jesus vai conduzir os discípulos à vida; Lázaro é testemunha excelente para todos aqueles que vivem de Jesus glorificado. Marta e a Ressurreição e a Vida (11,17-27) Jesus aproximou-se de Lázaro, que se encontrava havia quatro dias no sepulcro, ou seja, realmente no domínio da morte.
O autor joanino anuncia-nos aquilo que a própria irmã do morto nos dirá no versículo 39: “Senhor, já cheira mal: é o quarto dia!” Os quinze estádios (três quilómetros) entre Betânia e Jerusalém e os muitos judeus que vieram consolar Marta e Maria (cf. 16,22) não só colocam Jerusalém em relação com Betânia, como permitem ao autor apresentar-nos o movimento de muitos judeus que vêm da primeira para a segunda cidade.
Marta ouviu que Jesus vinha e foi ao seu encontro, enquanto Maria ficou sentada em casa (cf. 11,20).
Marta chama Jesus de Senhor e confia-lhe tudo: 1) antes podia ter evitado que o irmão morresse; 2) agora podia fazer o que quisesse (cf. 11,21-22). Marta está totalmente aberta para acreditar e percebe que Jesus deseja apenas realizar a vontade de Deus (cf. 11,22).
O Senhor diz-lhe: “Teu irmão ressuscitará” (11,23). Ela acredita na ressurreição no último dia (cf. v. 24; 6,39ss; Mc 12,18ss). Porém, Jesus acrescenta: “Eu sou a Ressurreição e a Vida” (11,25). Marta acreditava na ressurreição futura (cf. 11,24), mas o Unigénito fala-nos da Ressurreição presente na sua vida: quem acredita nele, mesmo se morre, vive. O discípulo amado entende o acreditar (cf. 11,25) e o viver (cf. 11,26) no ser presente, que Marta encontra no Filho de Deus.
O “Eu sou” (11,25) é a fórmula de revelação, que evoca o nome de Deus, dada a Moisés (cf. Ex 3,14). Assim, unida às restantes seis autoproclamações do Senhor (cf. 6,35; 8,12; 10,9.11; 14,6; 15,1), o Filho assume ser a Ressurreição e a Vida. O Unigénito do Pai (cf. 1,14c) vem e vive de Deus comunicando o que é: a sua unidade de vida em Deus.
O discípulo amado insiste de diversos modos que quem vê o Filho vê o Pai, que as obras do Filho são as do Pai, que as palavras do Filho são as do Pai, que a glória do Filho é a do Pai, para que nessa sua perfeita relação de unidade em Deus sejamos nós3. O Logos feito carne comunica-se em quem acredita como fonte jorrando para a vida (cf. 4,14.46-52), como revela no seu primeiro sinal (cf. 2,1-12), no decorrer da sua vida (cf. 5,20ss; 6,22ss; 10,1ss) e no seu sinal culminante (cf. 11,1ss). O Filho, nosso irmão, fala-nos da sua relação no Pai, perfeitamente manifestada na sua hora (cf. 19,17-42). Então, a glória de Jesus habita em nós na medida em que a acolhemos. Pois acolher a Palavra faz-nos ser como ela é, vida em Deus, filhos amados, irmãos que se amam reciprocamente. Jesus pergunta a Marta: “Acreditas nisso?” (11,26).
Marta acredita de tal modo, que, parecendo esquecida do que tinha pedido a Jesus, tudo o que pudesse desejar encontra nele: o Senhor, o Cristo, o Filho de Deus, o Enviado, a Ressurreição e a Vida (cf. 11,27; 20,31). Marta encontra a Ressurreição e a Vida diante do seu olhar, no tempo presente, como a realidade mais evidente e segura da sua existência.
O autor recorda que a salvação não é, essencialmente, um acontecimento do passado nem uma expectativa do futuro, mas sim, sobretudo, uma experiência salvífica que se realiza no encontro real e presente com a palavra de Jesus, a Ressurreição e a Vida. Em verdade, a Palavra viva do Senhor é o conteúdo unificante de todo o quarto Evangelho, de tal modo que o texto joanino foi concebido como um ventre (– 1,18; 13,23; 19,35) onde são gerados aqueles que vivem do alto (cf. 1,13; 3,1ss; 16,21; 20,31). A Palavra que Jesus nos dá é a vida do Pai, pois ele é o seu Filho Unigénito. O Filho nunca é só, age sempre em comunhão com o Pai (cf. 8,29) e assim manifesta a plenitude da condição humana: viver em unidade com Deus.
Maria conduz os judeus a Jesus (11,28-32) Marta chamou a sua irmã Maria em segredo (cf. 11,28).
A intimidade e a atração de amor entre Jesus e aquela família são evidentes.
O autor confirma-o ao descrever, por duas vezes, a prontidão de Maria ao levantar-se para ir ao encontro de Jesus (cf. 11,29.31) e, depois, quando faz referência à prostração de Maria diante do Senhor (cf. 11,32). Não obstante Jesus ter caminhado dois dias, não obstante a multidão encontrar-se em casa e Lázaro estar morto no sepulcro, Maria encontrou o Senhor no lugar onde Marta estivera. Maria conduz a esse lugar os judeus. Seguiam-na para a consolar, veriam o Consolador em Cristo (cf. 11,43-44; 9,1; 14,16.26; 15,26; 16,7).
Aqueles judeus pensavam que Jesus ia ao sepulcro para chorar a morte do amigo. Na realidade, verão a Ressurreição e a Vida manifestar-se em Lázaro.
Tendo chegado a Jesus, vendo-o, Maria caiu a seus pés, repetiu parte das palavras da irmã (cf. 11,21), e as outras expressou-as na sua atração de amor ao Senhor.
Assim sendo, o encontro anterior entre Marta e Jesus manifestou o poder de o Logos feito carne ser e o de dar a Ressurreição e a Vida quando a sua palavra é acolhida (cf. 11,17-27). O encontro entre Maria e Jesus manifesta como o acolhimento do Logos feito carne atrai outros ao Filho, aquele que é o lugar por excelência de encontro da humanidade com Deus, aquele que é a Ressurreição e a Vida. Desse modo, o autor esclarece-nos que Jesus Cristo é a verdadeira fonte de Água viva (cf. 4,1ss), a autêntica Videira (cf. 15,1ss) que jorra em todos aqueles que se dispõem a acolher a vida de Deus que ele comunica plenamente.
Na realidade, sem essa tomada de consciência, ou melhor, sem uma disposição a viver da Água viva, que corre dentro do ser humano, recorda-nos o texto, a doença de Lázaro não morreria e Lázaro não ressuscitaria.
Por outras palavras, sem bebermos a Água viva, as nossas doenças não serão saradas e a nossa morte não é ressuscitada nem vivificada. Maria, os judeus e Jesus choram (11,33-37);
No versículo 33, o autor diz-nos que Jesus se comoveu interiormente (embrimaomai), ou seja, o Senhor tremeu dentro de si contra a morte que dominava a humanidade. Jesus tremeu pela humanidade inteira e contra o mal que a subjugava. O verbo embrimaomai (11,33.38) – que podemos traduzir por comover, irar, tremer – exprime indignação interior. O Filho de Deus, revela-nos ainda o autor, perturbou-se (tarássu – 11,33).
O Unigénito voltar-se-á a perturbar (tarássu) com a chegada da hora e com o anúncio de que um dos discípulos o entregaria (cf. 13,21). Com efeito, o autor confirma que Jesus estava em confronto com satanás. O Bom Pastor perguntou onde tinham colocado Lázaro. Eles responderam- lhe: “Senhor, vem e vê” (11,34). O primeiro desejo apresentado aos discípulos pelo Mestre no testemunho tinha sido:
“Vinde e vede” (1,39). Agora, o Filho corresponde à chamada dos seus amigos para nos dar a vida, indicando- -nos o caminho a seguir para o Pai4. Jesus chorou por saber que o amor venceu a morte e, sobretudo, chorou por ver os amigos impotentes diante da morte. Nesse sentido, alguns confirmam o amor de Jesus por Lázaro e outros asseguram que ele estava morto: “Não podia este, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que ele não morresse?” (11,37; cf. Mt 27,42).
O autor utiliza dois verbos distintos: um para definir o choro de Maria e dos judeus (klaió – 11,31.33); outro para apresentar o choro de Jesus (dakruó – 11,35). O verbo klaió surge diversas vezes no quarto Evangelho (cf. 11,31.33; 16,20; 20,11ss) e no NT (cf. Mc 5,38; Rm 12,15; Ap 18,15). O verbo dakruó no NT só aparece no versículo 35, descrevendo o chorar de Jesus. Maria e os judeus choram de tristeza e por se verem impotentes diante da morte, Jesus chora de amor e porque enfrenta a morte. Jesus ressuscita Lázaro (11,38-44)
A caminho do sepulcro, Jesus comoveu‑se de novo interiormente (cf. 11,33.38).
Efetivamente, o Bom Pastor vai ao encontro de Lázaro para lhe falar e ao encontro da morte para a vencer. Por isso, ao chegar ao sepulcro, ordenou: “Retirai a pedra.” (11,39).
Marta confirma a morte de Lázaro: “Senhor, já cheira mal: é o quarto dia!” (11,39). O irmão estava, de facto, sob o domínio da morte.
As palavras de Marta, que então o autor designa como a irmã do morto (11,39), colocam-nos no meio da semana de luto e diante do facto da morte de Lázaro. Entre os rabinos cria-se que a alma rondava o corpo morto durante três dias e que, passado esse tempo, não haveria humanamente mais esperança de vida; ou seja, que ao terceiro dia o corpo se corrompia e a alma entrava definitivamente no reino dos mortos5. Sempre no lugar da fé, isto é, na relação de escuta, Jesus diz-lhe: “Não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?” (v. 40).
Contudo, Marta ainda não acreditava no poder de Jesus de manifestar a glória de Deus, ou seja, de levar o seu irmão à vida6. As três referências à pedra do sepulcro (11,38.39.41) confirmam a situação de Lázaro no domínio dos mortos (cf. 11,39) e preparam a vitória de Jesus sobre a morte. Tirada a pedra, enquanto choravam, o Unigénito levantou os olhos ao céu, como sinal da sua unidade ao Pai, para que a multidão acreditasse que o Pai o enviara e tomasse parte da sua vida em Deus (cf. 11,41-42).
Na realidade, a oração de Jesus não é de petição. Aquele que convidou a família de Betânia e os judeus a escutarem a sua palavra (cf. 11,17-32) dá graças (eucharisteó – 11,41) ao Pai por sempre o ouvir. A única repetição do verbo dar graças (eucharisteó) no Evangelho surge no sinal dos pães e dos peixes (cf. 6,11.23).
O Pai e o Filho vivem em perfeita comunhão e Jesus dá graças ao Pai para que acreditem nele como o Enviado de Deus (cf. 11,42), pois o seu desejo é comunicar à humanidade inteira (ao ‘ser’ do ser humano) a sua filiação divina. Então, o movimento, o sentimento, a perturbação e o choro de Jesus culminam no grito joanino descrito de forma mais intensa, maior que o grito da multidão em Jerusalém (cf. 12,12) e maior que o grito dos líderes no pretório (cf. 18,40ss):
“Tendo dito isso, bradou em alta voz (eipōn phōnē megalē ekraugasen): ‘Lázaro, vem para fora’” (11,43). De facto, Jesus enfrenta diretamente a morte e vai vencê-la. Ainda descrito como o morto, de imediato, Lázaro saiu com os pés, as mãos e o rosto cobertos. O Senhor disse ainda: “Libertai‑o e deixai‑o andar” (11,44; cf. 9,7). O Mestre comunica a sua vida pelo poder do seu Logos sem nunca tocar em Lázaro senão pela sua palavra e pela ação da sua palavra naqueles que o escutam, de tal modo, que:
1) removem a pedra;
2) libertam Lázaro; 3) deixam- no andar. Desse modo, o Senhor manifesta o seu poder vitorioso sobre a morte e, ao mesmo tempo, o seu poder de atrair à vida de Deus aqueles que vivem da sua palavra.
Na verdade, este sinal de Jesus une-se especialmente à sua manifestação gloriosa nos discípulos (cf. 20,1ss): em 11,1-44, ao ser acolhida, a palavra de Jesus abre a porta do sepulcro, liberta o morto das cobertas da morte e permite ao que estava morto caminhar; no capítulo 20, Maria encontra a porta do sepulcro aberta, dois discípulos encontram as faixas no chão e o sudário à parte, Maria é enviada aos irmãos e estes chegam à fé, reconhecendo a palavra de Jesus.
Muitos acreditam, alguns dirigem-se aos fariseus (11,45-46) Muitos dos judeus que tinham vindo consolar a família de Betânia (cf. 11,28-32), e que experimentaram o sinal de Jesus, acreditaram nele. Outros, porém, dirigiram-se aos fariseus e contaram-lhes aquilo que Jesus tinha feito (cf. 11,45-46). Em suma, o poder do Unigénito de ser e de dar a Ressurreição e a Vida e a opção de o acolher, ou não, confirmam-se como duas realidades vitais no quarto Evangelho.
Assim, depois de o Bom Pastor ter manifestado o seu amor indo ao encontro do amigo, chamando-o pelo nome, conduzindo- -o para fora, libertando-o e deixando-o andar (cf. 11,1-46), vai ao sinédrio e prepara-se para vencer a morte e reunir os filhos de Deus (cf. 11,47-53). A vontade de Jesus é que os discípulos sejam na sua compreensão, na sua unidade, na sua vida em Deus (cf. 20,31). Nesse sentido, o discípulo amado procura, ao longo de todo o seu testemunho, o encontro do desejo do Unigénito de dar a sua vida e o desejo que todos a desejem como sua.
O próprio Jesus diz: “Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus” (8,47).
Em síntese, na medida em que o homem fizer silêncio e acolher a palavra do Senhor ressuscitado, assim ressuscitará e viverá, tanto assim, que a própria humanidade, como a família de Lázaro, é chamada a ser motivo para que outros ressuscitem e vivam segundo a palavra do Senhor. Como nos diz o próprio texto, o quarto Evangelho é um testemunho de vida recebida: Um dos soldados trespassou-lhe o peito com uma lança, e logo saiu sangue e água.
Aquele que viu dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis (19,34-35). Tendo Jesus vencido o mal e regressado ao Pai, o Filho deu-nos a conhecer a sua vida gloriosa em Deus (cf. 19,17-42). A revelação de Jesus, que é a sua vida no Pai, é o testemunho do quarto Evangelho (cf. 1,18; 17,3).
Em verdade, o Evangelho nasce, é e finda no domínio da perfeita unidade do Pai e do Filho, fora da qual não o compreendemos. Assim, o quarto Evangelho é, por um lado, um contínuo testemunho da relação de Jesus em Deus e, por outro, uma constante chamada a sermos nessa vida testemunhada8. Com efeito, de acordo com o Evangelho joanino, as doenças que levam o homem à morte, as quais nascem (e se desenvolvem) dos pensamentos humanos errados, morrerão, e a humanidade será curada pelo poder da palavra do Senhor, que nos recria como filhos de Deus e que nos quer como seus irmãos. Para tal, é necessário experimentar, agora e sempre, o poder da palavra daquele que é a Ressurreição e a Vida..
De Bernardo Corrêa d’Almeida*Adapidação LUIZ SATURNINO sANTOS.
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