A NATUREZA DA ESCATOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO.
A fé do crente veterotestamentário era escatologicamente orientada.Como já vimos, ele aguardava por um número de eventos que avultam no horizonte escatológico. No cerne de sua esperança escatológica estava expectação pelo redentor vindouro.
Podemos observar esta esperança escatológica exemplificada no já idoso Simeão, de quem é dito que “esperava a consolação de Israel” (Lc 2.25), e em Ana, a profetisa, que, após ter visto o infante Jesus, “dava graças a Deus, e falava a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (Lc 2.38).
Na era do Novo Testamento, as bênçãos espirituais desfrutadas eram mais abundantes do que nos dias do Antigo Testamento: o conhecimento do plano redentor de Deus está largamente enriquecido, a fé do crente neotestamentário está muito aprofundada, e sua compreensão das dimensões do amor de Deus, conforme revelado em Cristo, está imensuravelmente fortalecida.
Ao mesmo tempo, porém, a expectação do crente por bênçãos ainda maiores, no porvir, está igualmente intensificada. O Novo Testamento possui, assim como o Antigo, uma visão fortemente orientada para o futuro. Há uma convicção profunda de que a obra redentora do Espírito santo experimentada agora é apenas um prelúdio de uma redenção muito mais rica e completa no futuro, e que a era que foi instaurada pela primeira vinda de Cristo será seguida de outra era, que será mais gloriosa do que esta talvez possa ser.
Em outras palavras, por um lado o crente do Novo Testamento esta consciente do fato de que ao grande evento escatológico predito no Antigo Testamento já aconteceu, enquanto que, por outro lado, ele percebe que outra significativa série de eventos escatológicos ainda está por vir. Ao abrirmos as páginas do Novo Testamento, ficamos imediatamente cientes do fato de que aquilo que foi prometido pelos escritores do Antigo Testamento já aconteceu.
A vinda de Jesus Cristo ao mundo é, de fato, o cumprimento da expectação escatológica central do Antigo Testamento.O escritor Willian Manson o descreve assim:
Quando mudamos para o Novo Testamento, nós passamos de clima de predição para o de cumprimento. As coisas que Deus tinha predito pelos lábios de Seus santos profetas,
Ele trouxe agora, pelo menos em parte, à realização. O Eschaton, descrito de longe..., registrou seu advento em Jesus... O sinal supremo do Eschaton é a Ressurreição de Jesus e a descida do Espírito Santo sobre a Igreja.
A Ressurreição de Jesus não é meramente um sinal que Deus concedera favor de Seu Filho, mas é a inauguração, a entrada na história, dos tempos do Fim. Através do Cristo, portanto, os cristãos entraram na Nova Era. Igreja,Espírito, vida em Cristo, são grandezas escatológicas.
Aqueles que se reuniam em Jerusalém nos numinosos primeiros dias da Igreja, sabem que é assim; eles já estavam conscientes de provarem os poderes do Mundo porvir.
O que tinha sido predito nas Sagradas Escrituras para acontecer a Israel ou ao homem no Eschaton, aconteceu para e em Jesus.
A pedra fundamental da Nova Criação assumiu sua posição . Apesar disto ser verdade, nós estamos igualmente cientes de que muitas das profecias dos profetas do Antigo Testamento ainda não foram cumpridas, e que uma porção de coisas que o próprio Jesus predisse ainda não foram realizadas. Não é verdade que os profetas falam de um julgamento do mundo e de uma ressurreição dos mortos, e que Jesus fala sobre a vinda do Filho do Homem sobre as nuvens em poder e grande glória?
Concluímos, portanto, que se deve falar da escatologia do Novo Testamento tanto em termos do que já foi efetuado como em termos do que ainda deve acontecer. Mais uma vez,
Manson o coloca bem: Existe uma escatologia realizada. Existe também uma escatologia do não-realizado. Sob nenhuma condição imaginável pode haver algo como uma escatologia totalmente realizada no sentido estrito.
O impulso escatológico novamente desperta e se auto-afirma no cristianismo, porque escatologia, como o amor, é de Deus... O cristianismo, portanto, exibe desde o princípio uma bipolaridade essencial. O Fim chegou! O Fim não chegou!
Nem a graça nem a glória, nem o gozo antecipado no presente, nem a perfeição futura da vida em Deus podem ser omitidas do quadro sem que a realidade seja destruída .
Devemos notar, portanto, que o que caracteriza especificadamente a escatologia do Novo Testamento é uma tensão subliminar entre o “já” e o“ainda-não” - entre o que o crente já desfruta e o que ele ainda não possui.
Oscar Cullmann tabém escritor,tem o seguinte a dizer sobre esse ponto: “
O elemento novo no Novo Testamento não é a escatologia mas o que eu costumo chamar de tensão entre o „já cumprido‟ decisivo e o „ainda-não-completado‟, entre presente e futuro. Toda a teologia do Novo Testamento... está marcada por esta tensão.”
Por ora, será suficiente reconhecermos esta tensão do “já-ainda-não” como um aspecto essencial da escatologia do Novo Testamento.
Embora poder-se-ia dizer que o crente do Antigo Testamento já experimentava essa tensão, a tensão é mais elevada para o crente do Novo Testamento, uma vez que ele tem tanto uma experiência mais rica das bênçãos presentes como uma compreensão das esperanças futuras mais claras do que seu parceiro veterotestamentário.
Passemos agora a ver como o Novo Testamento indica ambos: que o grande evento escatológico predito pelos profetas do Antigo Testamento aconteceu, e que a consumação final da história está ainda por vir.
Em o Novo Testamento encontramos a percepção de que o grande evento escatológico predito no Antigo Testamento aconteceu. A vinda de Jesus Cristo para o mundo é interpretada no Novo Testamento especificamente como o cumprimento da profecia vétero-testamentária.
Por exemplo, no Evangelho de Mateus, o nascimento de Jesus da virgem Maria está apresentado como um cumprimento da predição encontrada na profecia de Isaías:
Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo...
Tudo isso aconteceu, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco) (Mt 1.20-23).
Um grande número de outros detalhes a respeito da vida, morte e ressurreição de Jesus é citado como cumprimento das profecias do;
Antigo Testamento: seu nascimento em Belém (Mt 2.4-6;
comparado com Mq 5.2), sua fuga para o Egito (Mt 2.14-15; Os 11.1),
sua rejeição pelo seu povo (Jo 1.11; Is 53.3),
sua entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21.4-5; Zc 9.9),
sua venda por trinta moedas de prata (Mt 26.15; Zc 11.12),
ser pregado numa cruz (Jo 19.34; Zc 12.10),
o fato dos soldados lançarem sortes sobre suas vestes (Mc 15.24; Sl 22.18),
o fato de nenhum de seus ossos ter sido quebrado (Jo 19.33; Sl 34.20),
o fato de que ele deveria ser sepultado com o rico (Mt 27.57-60; Is 53.9),
sua ressurreição (At 2.24-32; Sl 16.10)
e sua ascensão (At 1.9; Sl 68.18).
De grande importância nesta conexão é a aplicação de palavras tais como hapax (uma única vez) e ephapax (de uma vez por todas) para a obra de Cristo.
Assim, por exemplo, lemos em 1 Pe 3.18:
“Pois também Cristo morreu, uma única vez (hapax), pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus”
. O autor de Hebreus utiliza a palavra ephapax para expressar o mesmo pensamento: “Quando, porém, veio Cristo como sumo-sacerdote dos bens já realizados; mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção.” (9.11-12) “..
. Temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas”(10.10). No mesmo sentido é usada a expressão eis to dienekes (=para sempre).
Em Hb 10.12: “Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, o único sacríficio pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que seus inimigos sejam postos por estrado de seus pés”.
Nós aprendemos, de passagens desse tipo, que o sacrifício de Cristo foi caracterizado por uma finalidade, e que na obra de Cristo, realmente aconteceu o que Deus tinha prometido através dos profetas do Antigo Testamento.
Cristo, o redentor prometido realmente veio! Vejamos alguma evidência adicional para este ponto. Tanto João Batista como Jesus são mencionados, proclamando que na vinda de Jesus o reino de Deus ou dos céus está próximo (Mt 3.2; Mc 1.15; a palavra grega traduzida por “próximo” é eggizo).
Jesus, igualmente, disse aos fariseus que seu ato de expulsar os demônios pelo espírito de Deus era uma prova de que o reino de Deus era chegado sobre eles (Mt 12.28; aqui a palavra grega é “phthano”).
Uma vez que a vinda do reino de Deus, como já vimos, era um dos aspectos da expectação escatológica do Antigo Testamento, vemos mais esta profecia cumprida em Cristo.
Na pessoa de Cristo o reino prometido tinha vindo - embora também deverá haver uma consumação final desse reino no futuro. Os escritores do Novo Testamento estão conscientes de que eles já estão vivendo nos últimos dias.
Isto é, especialmente declarado por Pedro, em seu grande sermão, no dia de pentecostes, quando ele cita o seguinte da profecia de Joel: “estes homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel:
E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda carne...‟” (At 2.15-17). As palavras: “nos últimos dias” (= en tais eschatais hemerais) são umatradução das palavras hebraicas acharey qhen que literalmente significam: posteriormente. Quando Pedro cita estas palavras e as aplica ao evento recém-ocorrido, o que ele está, de fato, dizendo é: “nós estamos nos últimos dias agora”.
Encontramos em Paulo um conceito similar. Em uma de suas primeiras epístolas (Gl 4.4), ele indica que Jesus veio ao mundo na “plenitude dos tempos” (RAB) ou “quando o tempo tinha plenamente chegado”; a expressão grega é topleroma tou chronou). A palavra pleroma sugere a idéia de cumprimento, ou, chegado à conclusão.
Quando Paulo declara que Cristo apareceu plenitude do tempo está inferindo que o grande ponto central da história é chegado, que a profecia do Antigo Testamento chega agora, a seu cumprimento. Embora tais palavras não excluam uma futura consumação da história no fim dos tempos, elas certamente estão ensinando que, da perspectiva do Antigo Testamento, a era do Novo Testamento é o tempo do cumprimento. Numa carta escrita alguns anos mais tarde, 1 Coríntios,
Paulo coloca esta verdade de modo impressionante: “estas coisas lhes sobrevieram (aos israelitas que peregrinavam no deserto) como exemplos, e foram escritas para advertência nossa de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (“os fins dos séculos”, tateletonaionon, 10.11).
Aqui, novamente, a linguagem de cumprimento é inconfundível.
O autor de Hebreus expressa o mesmo pensamento ao contrastar Cristo como o sumo-sacerdote do Antigo Testamento, que ano após ano tinham de entrar no Santo Lugar com sangue que não era o deles. Cristo, assim continua o autor, é imensamente superior a esses sacerdotes, uma vez que: “ao se cumprirem os tempo (literalmente “no fim dos tempos” episynteleía tonaionon), se manifestou uma vez por todas para aniquilar pelo sacrifício de si mesmo o pecado” (Hb 9.26).
Comparando com o papel provisório dos sacerdotes, veterotestamentários, a Epístola aos Hebreus vê o surgimento de Cristo em termos de cumprimento escatológico e de caráter final.
As epístolas de João são normalmente consideradas como pertencendo aos últimos escritos do Novo Testamento. Aqui também encontramos uma compreensão da era do Novo Testamento como sendo de cumprimento escatológico.
Entretanto, ao invés de usar a expressão: “os últimos dias”, João usa as palavras: “a última hora”: “filhinhos, já é a última hora (eschate hora); e, como o vistes que vem o anti-cristo, também agora muitos anti-cristos tem surgido, pelo que conhecemos que é a última hora” (1 Jo 2.18).
Expressões como as que acabamos de ver mostram que o crente do Novo Testamento tinha realmente consciência de estar nos últimos dias, naúltima hora e no fim dos tempos.
Ele estava ciente de que o grande evento escatológico predito no Antigo Testamento, tinha acontecido com a vinda de Jesus Cristo.
Este é o elemento de verdade na posição associada com C.H.Dodd, comumente denominada: “escatologia realizada.”
Contudo, uma vez que restam ainda muitos eventos escatológicos que ainda não se realizaram e uma vez que o Novo Testamento fala claramente sobre uma escatologia futura, assim como de uma presente, eu prefiro falar de uma escatologia “inaugurada” ao invés de uma “realizada”
. A vantagem deste termo é que ele faz juz ao fato de que a grande incisão escatológica na história já está feita, ao passo que não exclui o desenvolvimento ulterior da escatologia no futuro. (escatologia inaugurada) implica em que a escatologia já teve início, mas de modo nenhum está terminada.
Em o Novo Testamento encontramos ainda a compreensão de que aquilo que os escritores do Antigo Testamento pareciam representar, como um movimento único, deve agora ser reconhecido como envolvendo dois estágios: a era messiânica presente e a era do futuro.
Ou, então, dita em outras palavras, o crente da época Neotestamentária, conquanto ciente de estar agora vivendo na era predita pelos profetas, percebeu que esta nova era inaugurada pela vinda de Jesus Cristo, era entendida como carregando no seu ventre uma outra era porvir .
Podemos encontrar evidência, para tanto, no fato de que os escritores do Novo Testamento, mesmo reconhecendo, como acabamos de ver que há um sentimento de que estamos nos últimos dias agora, começam igualmente a falar acerca de duas eras: a era presente e a era porvir.
São usados três tipos de expressão para descrever a era porvir:
“aquela era” (ho aion ekeinos, Lc 20.35),
“a era vindoura” (ho aion erchomenos, Lc 18.30),
a “era porvir” (ho aion mellon, Mt 12.32).
O autor de Hebreus, por exemplo, afirma que certas pessoas, nos seus dias, tinham provado “os poderes da era porvir”(mellontos aionos, Hb 6.5).
Paulo, em Ef 2.7, fala inclusive sobre as eras porvir: “para que nas eras porvir (en tois aiosin tois èperchomenois) ele possa mostrar a suprema riqueza da sua graça em bondade para conosco em Cristo Jesus”.
A percepção de que haverá uma era futura distinta da presente é tão perspicaz que há várias passagens nas quais as duas eras são mencionadas conjuntamente. Em Lc 20.34-35,
Jesus responde a pergunta ardilosa dos saduceus acerca da ressurreição dizendo: “Os filhos deste mundo (aiomos toutou) casam-se e dão-se em casamento; mas os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura (aionos ekeinou) e a ressurreição dentre os mortos, não casam nem se dão em casamento”.
Uma justaposição similar das duas eras é encontrada em Mt 12.32: “mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado nem neste mundo (touto to aionil) nem no porvir (to mellonti)
Numa outra passagem, o tempo presente (kairos) é contrastado com a era porvir: “Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou filhos por causa do reino de Deus, que não receba no presente (kairo touto) muitas vezes mais, e no mundo porvir (to aioni to erchomeno) a vida eterna” (Lc 18.29-30).
A partir de passagens como estas, fica claro que os escritores do Novo Testamento aguardavam por uma era vindoura, que deveria suceder à presente era.
Encontramos uma ilustração muito interessante da justaposição das duas eras no uso que o Novo Testamento faz das expressões: “últimos dias” e “o último dia”.
já vimos, Pedro em seu sermão no dia de Pentecostes, disse que o período introduzido pelo derramamento do Espírito Santo constitui os “últimos dias”; em outras palavras, nós estamos nos últimos dias agora .
Quando a expressão é encontrada no singular (“o último dia”), entretanto, ela nunca se refere à era presente, mas sempre à era porvir geralmente ao Dia do Juízo ou ao dia da ressurreição. Assim, por exemplo, ouvimos Jesus dizer: “E a vontade de quem me enviou é esta:
Que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia (eschate hemera)” (Jo 6.39). Expressões similares são encontradas nos versos 40,44 e 54 deste capítulo. Em Jo 11.24 é relatado que Marta fala acerca de seu irmão Lázaro: “Eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição no último dia”.
E em Jo 12.48, Jesus diz: “Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras, tem quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia”. Em outros termos, de acordo com os autores do Novo Testamento nós estamos agora nos “últimos dias”, mas o “último dia” ainda está porvir. É igualmente interessante observar o uso do substantivo synteleia (fim, ou conclusão).
Em um caso, onde esta palavra é usada junto com o plural de aion (era), significa a era presente: “Agora, uma vez no fim das eras (epi synteleia ton aionon), ele (Cristo) foi manifestado para tirar o pecado” (Hb 9.26).
Mas quando essa palavra é usada com o singular de aion, sempre se refere à consumação final, que ainda é futura: “E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século (tes sinteleias tou aionos)” (Mt 13.39; cp vs.40,49); e quando os discípulos perguntam a Jesus acerca do futuro, eles dizem: “Dize-nos quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século” (Mt 24.3).
A escatologia do Novo Testamento, portanto, olha para trás, para a vinda de Cristo, que tinha sido predita pelos profetas do Antigo Testamento, e afirma: nós estamos agora nos últimos dias. Mas a escatologia Neotestamentária também olha para a frente, para uma consumação finalainda por vir, e por isso também diz: o último dia ainda está chegando; a era final ainda não chegou. Seria possível, na verdade, representar a expectação escatológica do crente neotestamentário num diagrama semelhante ao seguinte: Criação Primeira vinda de Cristo Segunda Vinda de Cristo A era passada Esta era A era porvir Os últimos dias O fim das eras Uma vez admitido que a escatologia Neotestamentária olha tanto para o passado como aponta para o futuro, qual é a relação entre estes dois aspectos dessa escatologia?
A relação entre estes dois estágios escatológicos é que as bênçãos da era presente são o penhor e a garantia de bênçãos maiores no porvir.
Antes de tudo, podemos ver esta relação ao observarmos que, conforme o Novo Testamento, a primeira vinda de Cristo é a garantia e penhor da certeza da segunda vinda de Cristo. Foi isso que o anjo destacou, ao falar aos discípulos quando da ascensão de Cristo: “Varões galileus, por que estais olhando para as alturas?
Este Jesus que entre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). O autor de Hebreus afirma que tão certo quanto o juízo segue à morte, assim certamente a Segunda vinda de Cristo seguirá à primeira: “E assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez e, depois disto, o juízo, assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para salvação”(Hb 9.27,28).
E Paulo, em Tt 2.11-13, indica que o crente neotestamentário vive entre duas vindas de Cristo: “Porquanto a graça de Deus se manifestou (epephane) salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação (epinhaneian) da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. A segunda palavra grega destacada aqui é o substantivo correspondente ao verbo usado mais no começo do texto; ambas as palavras denotam uma manifestação visível e real.
Assim como Cristo apareceu no passado, ensina esta passagem, assim ele aparecerá novamente no futuro.Escatologia cristã, portanto, envolve uma expectação pelo futuro que está enraizada no que já aconteceu no passado G.C.Berkouwer comenta da seguinte forma: “...
A promessa do futuro está conectada com eventos do passado.
A expectação cristã é algo muito diferente de uma generalização tal como: “as sementes do futuro estão no presente”. É algo completamente determinado pela relação única entre o que está porvir e o que já aconteceu no passado. Toda a certeza da nossa expectação está fundamentada nesta relação peculiar...
Escatologia verdadeira, portanto, ocupa-se sempre com a expectação do Cristo que já foi revelado e que “aparecerá Segunda vez... para salvar aqueles que estão ansiosamente esperando por ele”(Hb 9.28).
O que é singular a respeito da escatologia Neotestamentária, portanto, é que ela espera uma consumação futura dos propósitos de Deus baseada na vitória de Cristo, no passado. George Ladd salienta este ponto: “Seu [da igreja] testemunho da vitória de Deus, no futuro será fundamentado numa vitória já alcançada na história.
Ela proclama não apenas esperança, mas uma esperança baseada em eventos da história e em sua própria experiência.
Oscar Cullman se utiliza de uma figura bem conhecida: o crente da era cristã vive entre o “Dia D” e o “Dia V”. O “Dia D” foi a primeira vinda de Cristo, quando o inimigo foi decisivamente derrotado; “Dia V” é a Segunda Vinda de Cristo, quando o inimigo vai se render, total e finalmente.
“A esperança da vitória final é tão vívida assim por causa da inabalavelmente firme convicção de que a batalha que decide já aconteceu".
No mesmo sentido vem a seguinte declaração de Hendrikus Berkhof: “Em resumo, o futuro em o Novo Testamento é o desdobramento e conclusão daquilo que já existe em Cristo e no Espírito que será acabado triunfantemente apesar do pecado, sofrimento e morte”
Ele continua ao destacar que a esperança cristã é de ascensão, não principalmente da pobreza, mas da possessão.
O cristão espera por bênçãos muito maiores no futuro, não porque ele tem tão pouco, mas porque ele já tem tanto: “Entre nós, seres humanos, a esperança por um futuro feliz nasce geralmente da pobreza e incerteza; a esperança cristã, porém, surge de uma possessão que abre muitos horizontes mais para o futuro.
Por isso é que esperança é regularmente encontrada em conexão com fé e amor, que são ambos nossas possessões. Mas exatamente o fato de que nós possuímos, faz-nos sentir dolorosamente o que ainda não temos; tem “gosto de quero mais”. Por isso esperança é fruto tanto da possessão como da falta”.
Concluímos, então, que a natureza da escatologia do Novo Testamento pode ser resumida sob estas três observações: o grande evento escatológico predito no Antigo Testamento já aconteceu; aquilo que para escritores do Antigo Testamento representava um movimento é visto agora como envolvendo dois estágios: a era presente e a era do futuro; e a relação entre estes dois estágios escatológicos é que as bênçãos da era presente são penhor e garantia de bênçãos maiores no porvir.
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