Platão nasceu em Atenas em 428 a.C. e morreu em 348 a.C. Essas datas são bastantes significativas: seu nascimento ocorreu no ano seguinte ao da morte de Péricles; seu falecimento deu-se dez anos antes da batalha de Queronéia, que assegurou a Filipe da Macedônia a conquista do mundo grego. A vida de Platão transcorreu, portanto, entre a fase áurea da democracia ateniense e o final do período helênico: sua obra filosófica representará, em vários aspectos, a expansão de um pensamento alimentado pelo clima de liberdade e de apogeu político Filho de Ariston e de Perictione, Platão pertencia a tradicionais famílias de Atenas e estava ligado, sobretudo pelo lado materno, a figuras eminentes do mundo político. Sua mãe descendia de Sólon, o grande legislador, e era irmã de Cármides e prima de Crítias, dois dos Trinta Tiranos que dominaram a cidade durante algum tempo. Além disso, em segundas núpcias Perictione casara-se com Pirilampo, personagem de destaque na época de Péricles. Desse modo, se Platão em geral manifesta desapreço pelos políticos de seu tempo, ele o faz como alguém que viveu
nos bastidores das encenações políticas desde a infância. Suas críticas à democracia ateniense pressupunham um conhecimento direto das manobras políticas e de seus
verdadeiros motivos. Segundo o depoimento de Aristóteles, Platão, na juventude, teria conhecido Crátilo, que, adotando as idéias de Heráclito de Éfeso sobre a mudança permanente de todas as coisas — e certamente interpretando de forma parcial e empobrecida atese heraclítica —, afirmava a impossibilidade de qualquer conhecimento estável.Os dados dos sentidos teriam validade instantânea e fugaz, o que tornava inútil e
ilegítima qualquer afirmativa sobre a realidade: quando se tentava exprimir algo,este já deixara de ser o que parecia no momento anterior. Na versão apresentada por Crátilo, o incessante movimento das coisas tornava-se um empecilho à ciência e à ação, que não podiam dispensar bases estáveis. Buscando justamente estabelecer esses fundamentos seguros para o conhecimento e para a ação, Platão desenvolverá, na fase inicial de sua filosofia, teses que tendem a sustentar a realidade no intemporal e no estático. Só posteriormente seu pensamento irá reabilitar e reabsorver o movimento e a transformação, tentando estabelecer a síntese entre a tradição eleática (que negava a racionalidade de qualquer mudança) e a heraclítica (que afirmava o fluxo contínuo de todas as coisas).Mas o grande acontecimento da mocidade de Platão foi o encontro com Sócrates. Na época da oligarquia dos Trinta (entre os quais estavam Cármides e Crítias), os governantes haviam tentado fazer de Sócrates cúmplice na execução de Leon de Salamina, cujos bens desejavam confiscar. Sócrates recusou-se a participar da trama indigna e, evidentemente, deixou de ser visto com simpatia pelos tiranos.
Mais tarde, já reinstaurado o regime democrático em Atenas, Sócrates foi acusado de corromper a juventude, por difundir idéias contrárias à religião tradicional, e condenado a morrer bebendo cicuta.Platão, que seguira os debates de Sócrates e que o considerava — como escreverá no Fédon — "o mais sábio e o mais justo dos homens", pôde acompanhar de perto o tratamento que seu mestre recebera de ambas as facções políticas.
Parecia não existir em Atenas um partido no qual um homem que não quisesse abrir mão de princípios éticos pudesse se integrar. Diante da injustiça sofrida por Sócrates, aprofunda-se o desencanto de Platão com aquela política e com aquela democracia: "Vendo isso e vendo os homens que conduziam a política, quanto mais considerava as leis e os costumes, quanto mais avançava em idade, tanto mais difícil me pareceu administrar os negócios de Estado" (Carta VII). Mas o impacto causado por Sócrates no pensamento e na vida de Platão teve também outra significado, este de repercussões ainda mais duradouras: com Sócrates, o jovem Platão pudera sentir a necessidade de fundamentar qualquer atividade em conceitos claros e seguros. Por intermédio de Sócrates e de sua incessante ação como perquiridor de consciências e de crítico de idéias vagas ou preconcebidas, o
primado da política torna-se, para Platão, o primado da verdade, da ciência. Se o interesse de Platão foi inicialmente dirigido para a política, através da influência de Sócrates ele reconhece que o importante não era fazer política, qualquer política, mas a política. Por isso é que justamente se recusa a participar, na mocidade, de atividades políticas: primeiro tem de encontrar os fundamentos teóricos da ação política — e de toda ação — para orientá-la retamente. A filosofia para Platão representou, assim, de início, a ação entravada, a que se renuncia apenas para poder vir a ser realizada com plenitude de consciência.Depois da morte de Sócrates, disperso o núcleo que se congregara em torno do mestre, Platão viaja. Visita Megara, onde Euclides, que também pertencera ao grupo socrático, fundara uma escola filosófica, vinculando socratismo e eleatismo. Vai ao sul da Itália (Magna Grécia), onde convive com Arquitas de Tarento. O famoso matemático e político pitagórico dá-lhe um exemplo vivo de sábio governante, que ele depois apontará, na República, como solução ideal para os
problemas políticos. Na Sicília, em Siracusa, conquista a amizade e a inteira confiança de Dion, cunhado do tirano Dionísio. Essa ligação com Dion — talvez o mais forte laço afetivo da vida de Platão — representa também o início de reiteradas tentativas para interferir na vida política de Siracusa. Platão visita ainda o norte da África, mas de sua ida ao Egito quase nada se sabe com segurança. Certo é
que, em Cirene, inteirou-se das pesquisas matemáticas desenvolvidas por Teodoro,particularmente as referentes aos "irracionais" (grandezas, como V2, cujo valor exato não se podia determinar). Os irracionais matemáticos inspirarão várias doutrinas platônicas, pois representam uma "justa medida" que nenhuma linguagem consegue exaurir. Nessa época Platão compõe seus primeiros Diálogos, geralmente chamados"diálogos socráticos", pois têm em Sócrates a personagem central. Entre esses diálogos está a Apologia de Sócrates, que pretende reproduzir a defesa feita pelo próprio Sócrates diante da Assembléia que o julgou e condenou. Porém, de certa forma, outros diálogos dessa fase constituem também defesas que Platão faz de seu mestre, mostrando que nem era ímpio nem pervertia os jovens. Nessa categoria podem ser incluídos o Críton, o Laques, o Lísis, o Cármides e o Eutífron. Dentre os primeiros diálogos situam-se ainda o Hípias Menor (talvez também o Hípias Maior), o Protágoras, o Górgias — nos quais aparecem os grandes sofistas — e o lon. É possível que, também nessa época, Platão tenha começado a escrever a República. Em geral, os "diálogos socráticos" desenvolvem discussões sobre ética, procurando definir determinada virtude (coragem, Laques; piedade, Eutífron; amizade, Lísis;autocontrole, Cármides). Mas são diálogos aporéticos, ou seja, fazem o levantamento de diferentes modos de se conceituar aquelas virtudes, denunciam a fragilidade dessas conceituações, mas deixam a questão aberta, inconclusa. Isso possivelmente estaria relacionado ao objetivo do próprio Sócrates, que se preocupava antes com o desencadeamento do conhecimento de si mesmo e não propriamente com definições de conceitos. De qualquer modo, algumas teses socráticas básicas podem ser encontradas nesses diálogos, como a da identificação da virtude com certo tipom de conhecimento e a da unidade de todas as virtudes. Os outros diálogos dessa fase manifestam duas preocupações que permanecerão constantes na obra platônica: o problema político (como no Cármides) e o do papel que a retórica pode desempenhar na ética e na educação (Górgias, Protágoras, os dois Hípias)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Responderemos a todos sempre que necessário.Obrigado pela visita ao site.