Seja como dizes, já que tão fortemente me obrigas a reconhecer que não aprendemos a fazer o mal. Dize-me, entretanto, qual a causa de praticarmos o mal?(Agostinho)
Esta e uma questão que me atormentou por demais, desde quando era ainda muito jovem.
Após ter-me cansado inutilmente de resolvê-la, levou a precipitar-me na heresia (dos maniqueus), com tal violência que fiquei prostrado.
Tão ferido, sob o peso de tamanhas e tão inconsistentes fábulas, que se não fosse meu ardente desejo de encontrar a verdade, e se não tivesse conseguido o auxílio divino, não teria podido emergir de lá nem aspirar à primeira das liberdades .
– A de poder buscar a verdade.
Visto que a ordem seguida, então, atuou em mim com tanta eficácia para resolver satisfatoriamente essa questão, seguirei igualmente contigo aquela mesma ordem pela qual fui libertado(Deus).
Seja-nos, pois, Deus propício e faça-nos chegar a entender aquilo em que acreditamos realmente.
Estamos, assim, bem certos de estar seguindo o caminho traçado pelo profeta que diz:
“Se não acreditardes não entendereis”.
Ora, nós cremos em um só Deus, de quem procede tudo aquilo que existe.
Não obstante, Deus não é o autor do pecado.
Todavia, perturba-nos o espírito uma consideração:
se o pecado procede dos seres criados por Deus, como não atribuir a Deus os pecados, sendo tão imediata a relação entre ambos?
Acabas de formular, com toda clareza e precisão, a dúvida que cruelmente me atormentou o pensamento, e que justamente me levou a me empenhar nesta reflexão contigo. (Deus)
Tem coragem e conserva a fé naquilo que crês.
Nada é mais recomendável do que crer, até no caso de estar oculta a razão de por que isso ser assim e não de outro modo.
Com efeito, conceber de Deus a opinião mais excelente possível é o começo mais autêntico da piedade.
E ninguém terá de Deus um alto conceito, se não crer que ele é todo-poderoso e que não possui parte alguma de sua natureza submissa a qualquer mudança.
Crer ainda que ele é o Criador de todos os bens, aos quais é infinitamente superior; assim como ser ele aquele que governa com perfeita justiça tudo quanto criou, sem sentir necessidade de criar qualquer ser que seja, como se não fosse auto-suficiente.
Isso porque tirou tudo do nada.
Entretanto, ele gerou, não criou, de sua própria essência, aquele que lhe é igual, o qual é como professamos, o Filho único de Deus.
É aquele a quem nós denominamos, procurando as expressões mais acessíveis:
“Força de Deus e Sabedoria de Deus” (1 Cor 1,24).
Por meio dele, Deus fez tudo o que tirou do nada.
Tudo isso tendo sido estabelecido, contando com a ajuda de Deus, procuremos agora, com empenho, compreender a questão por Ele proposta, seguindo a ordem que se segue.
E me perguntas:
Qual a causa de procedermos mal?
É preciso examinarmos, primeiramente, o que seja proceder mal.
Dize-me o que pensas a esse respeito.
Ou, se não podes resumir todo o teu pensamento em poucas palavras, pelo menos, dá-me a conhecer tua opinião, mencionando algumas más ações, em especial que praticamos,ou os humanos praticam.
Os adultérios,
os homicídios e os sacrilégios,sem falar de outros maus procedimentos, os
quais não podemos enumerar, por nos faltar tempo e memória.
Quem não considera ações como más?
Eu por exemplo considero adultério como má ação.
Não será porque a lei o
proíbe de ser cometido?
Por certo que
não.
Ele não é um mal precisamente por ser proibido pela lei, mas, ao contrário,
é proibido pela lei por ser mal no caso.
ão, recorrer à autoridade da lei, junto
àqueles que desejam não somente crer, mas também entender que o sexo assim e mal?
Razões insuficientes da origem do mal
Ora!
Não se
tem condenado também, com freqüência, a muitos homens, por suas boas ações?
Recorda aquela história, e já não te envio a outros livros profanos, mas à
história que é mais excelente que todas as outras, por gozar da autoridade
divina (os Atos dos Apóstolos).
Encontrarás aí o quanto deveríamos ter em má
opinião os apóstolos e todos os mártires, se aceitássemos ser a condenação de
um homem por outros o sinal certo de má ação.
Pois todos aqueles cristãos foram
julgados dignos de condenação por terem confessado a sua fé.
De
modo que, se for mal o que os homens condenam, segue-se que, naquele tempo, era
crime crer em Cristo e confessar a própria fé. diz um adultero
Mas se nem tudo o que é
condenado pelos homens é mal, será preciso que procures outra razão que te permita
me garantir que o adultério é mal.
Talvez seja na paixão que esteja a malícia do adultério.
Pois ao procuraremos o mal num ato exterior visível, caímos em impasse.
Para te fazer
compreender que a paixão é bem aquilo que é mal no adultério, considera-se, um
homem que está impossibilitado de abusar da mulher de seu próximo.
Todavia, se
for demonstrado, de um modo ou de outro, qual o seu intento e que o teria
realizado se o pudesse, segue-se que ele não é menos culpado por aí do que se
tivesse sido apanhado em flagrante delito com a mulher do próximo (Mt 5,28).
Nada é tão
evidente.
Vejo já não ser mais preciso longos discursos para que eu me convença do
mesmo a respeito do homicídio, do sacrilégio e, enfim, de todos os outros
pecados (paixões carnais).
Com efeito, é claro que em todas as espécies de ações más é a paixão
que domina.
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