Conscientemente ou não, a vida de Jesus vem cumprindo à risca as profecias judaicas. Ele é judeu de nascença. É descendente direto de Davi. Uma grande estrela surgiu pela manhã no céu no momento de seu nascimento, em Belém. Pode-se argumentar que, depois de adulto e já versado nas Escrituras, ele tenha passado a planejar suas atitudes e seus pronunciamentos para que eles estivessem de acordo com as previsões dos profetas.
Agora é o momento do símbolo definitivo: se Jesus escolher ir a Jerusalém durante a Páscoa montado em um jumento, ele estará transmitindo uma mensagem poderosa. Conforme escreveu o profeta Zacarias: “Alegre-se muito, cidade de Sião! Exulte, Jerusalém!
Eis que o seu rei vem a você, justo e vitorioso, humilde e montado num jumento, um jumentinho, cria de jumenta. Ele proclamará paz às nações e dominará de um mar a outro e do Eufrates até os confins da terra.”Cumprir a profecia de Zacarias seria fácil. Há jumentos por toda parte na Judeia. Jesus só precisaria pedir a algum discípulo que lhe trouxesse um.
Aos 36 anos, ele é inteligente o bastante para encenar qualquer profecia que seja. Sua compreensão da fé é profunda e seu conhecimento das Escrituras é enciclopédico. Mas seria uma insensatez se Jesus chegasse a Jerusalém montado em um jumento.
Ele estaria assinando sua sentença de morte. Pois, da mesma forma que os profetas foram muito específicos quanto à maneira como o rei dos judeus viria ao mundo e viveria sua vida, eles também foram claros quanto aos detalhes da sua morte. Ele será falsamente acusado por crimes que não cometeu.
Será castigado fisicamente. As pessoas irão cuspir nele.Ele será despido e os soldados jogarão dados para sortear suas roupas. Ele será crucificado, suas mãos e pés pregados à cruz – e ainda assim nem um só osso de seu corpo será quebrado.E aqueles que o amam assistirão a tudo com pesar, mas não poderão fazer nada para impedir seu sofrimento.
É domingo, dia 2 de abril de 30 d.C. Pôncio Pilatos acabava de voltar a Jerusalém e estáva hospedado no palácio de Herodes, o Grande.
Quando chega à cidade, Herodes Antipas, o tetrarca, hospeda-se a um quarteirão de distância, no Palácio dos Asmoneus. Enquanto isso, no palácio onde mora na Cidade Alta,Caifás se prepara para o maior festival do ano. A semana da Páscoa está prestes a começar.
Os discípulos começam a procurar um jumento.
Jesus de Nazaré tem mais seis dias de vida. O processo de purificação éra fundamental para poderem celebrar a Páscoa de maneira adequada. Ele cria um estado físico e emocional que prepara o fiel para acolher a santidade de Deus – daí a necessidade de chegar a Jerusalém uma semana antes do dia sagrado.
Os homens se banharão no mikvah e deixarão de fazer sexo com suas esposas até depois da Páscoa por acreditarem que o ato da ejaculação os tornaria seus corpos impuros. Da mesma forma, mulheres menstruadas não poderão se banhar no mikvah e também ficarão proibidas de entrar nas dependências do Templo.
Tocar um réptil também torna o corpo impuro, e qualquer um que entre em contato com um cadáver, mesmo que apenas sua sombra chegue a tocá-lo, é imediatamente considerado impuro e impossibilitado de celebrar a Páscoa.
Isso, é claro, também se aplica a qualquer um que mate alguém.
Assim, antes mesmo de os peregrinos chegarem a Jerusalém, eles já vêm se preparando mentalmente para a semana que está por vir.
Têm em mente a necessidade do mikvah e evitam qualquer contato íntimo que possa despertar desejos sexuais. Antecipando o cheiro de cordeiro assado que irá pairar por toda a
cidade de Jerusalém enquanto os banquetes da Páscoa são preparados nos fornos, os peregrinos contam seu dinheiro, preocupados, sem saber como pagarão não só pela comida como também pelos impostos inevitáveis a que estarão sujeitos na cidade.
Apesar de terem os pés e as pernas doloridos após caminharem por quilômetros e quilômetros de terreno hostil, os peregrinos se sentem transformados pelo magnetismo de Jerusalém.
Já não pensam em suas fazendas que ficaram para trás, ou na cevada que deverá ser colhida logo que eles chegarem de viagem, mas sim na santidade e na pureza.
Logo subirão a colina conhecida como o Monte das Oliveiras e, ao olharem para baixo, verão Jerusalém em toda a sua glória.
O Templo reluzirá, branco e dourado, sob a luz do sol, e os muros imponentes do Monte do Templo os deixarão perplexos como sempre. O esplendor do Tempo lhes lembrará de que eles chegaram ao centro da vida judaica. Já faz quase 50 anos que o Templo foi renovado e expandido, e a primeira Páscoa moderna,
celebrada em seus pátios. Mas até para aqueles que são velhos o suficiente para terem estado ali naquele dia, esta Páscoa promete ser a mais memorável da História. E sua chegada a Jerusalém será diferente de qualquer outra antes – ou depois – dela.
– Estamos subindo para Jerusalém – diz Jesus aos seus discípulos enquanto eles se preparam para partir –, e o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei.
Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para que zombem dele, o açoitem e o crucifiquem. No terceiro dia ele ressuscitará!
Se essas palavras perturbam os discípulos, eles não deixam transparecer. Pois a jornada deles já dura vários meses, e não meros dias, como para a maioria dos peregrinos.Após a Festa dos Tabernáculos seis meses atrás, Jesus e os discípulos não voltaram à Galileia. Em vez disso, deram início a uma viagem tortuosa.
Sua primeira parada, o vilarejo de Efraim, ficava a apenas 24 quilômetros de Jerusalém. De lá, eles viajaram em grupo para o norte, na direção oposta de Jerusalém, até as fronteiras da Samaria e da Galileia. E então, chegada a época da Páscoa, deram meia-volta e marcharam para o sul, seguindo o rio Jordão e juntando-se à longa caravana de peregrinos a caminho da Cidade Sagrada.
Os discípulos agora tentam se posicionar da melhor forma possível em seu caminho para Jerusalém.
Tiago e João perguntam ao Nazareno se podem ser seus principais assessores no novo regime, fazendo o seguinte pedido: “Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda.”
Ao ouvirem isso, os outros 10 ficam furiosos. Eles vinham seguindo Jesus como um grupo coeso há mais de dois anos, abandonando seus trabalhos, suas esposas e qualquer coisa remotamente parecida com a vida que tinham antes.
Todos os discípulos esperam poder colher os frutos da glória que virá depois que o novo Messias derrubar o governo romano. Pedro está tão seguro de que Jesus liderará uma ofensiva militar que planeja comprar uma espada. Mas Jesus não tem planos de travar guerra nem de formar um novo governo.
Em vez de repreender Tiago e João, ele se esquiva calmamente do pedido. Então chama os discípulos para junto de si, implorando que eles se concentrem em servir uns aos outros em vez de entrar em disputas por posições e status.
– Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.
Mais uma vez, ele está prevendo sua morte.
Os discípulos, no entanto, estão de tal forma concentrados no momento glorioso em que Jesus se revelará como o Cristo que ignoram o fato de que ele está lhes dizendo que morrerá em breve. Os romanos não serão derrubados do poder.
Não haverá um novo governo.Porém a insistência dos discípulos em ignorar isso é compreensível. Jesus geralmente fala na forma de parábolas, e o frenesi em torno do Nazareno é agora fenomenal.
A adoração dedicada a Jesus torna qualquer menção à morte inconcebível. A multidão compacta de peregrinos o trata como um membro da realeza, atenta a cada palavra sua e recebendo-o com entusiasmo e reverência.
No vilarejo de Jericó,
dois homens cegos se referem a ele como “Senhor, Filho de Davi”, alcunha que só pode ser atribuída ao Cristo. Quando Jesus não repreende esses cegos, os discípulos sentem-se encorajados.
Jerusalém fica a apenas 40 minutos de caminhada do vilarejo de Betânia, onde eles param para
passar a noite.
Hospedam-se na casa de Lázaro e suas irmãs, Maria e Marta, preferindo não se arriscar a viajar após o pôr do sol e no começo do sábado. Essa será a base do grupo durante a semana de Páscoa,
e Jesus e seus discípulos planejam voltar para lá quase todas as noites com a promessa de uma refeição quente e descanso.
O sábado é o dia mais sagrado da semana. Os judeus o chamam de Shabbat, mas o nome romano faz
referência ao planeta Saturno.
É um dia de descanso obrigatório na religião judaica, em homenagem ao descanso de Deus após a criação do Universo. Jesus e os apóstolos usam esse tempo para relaxar, preparando-se para a semana que está por vir. Na manhã seguinte, Jesus escolhe dois discípulos e lhes atribui uma tarefa muito especial.
– Vão ao povoado que está adiante de vocês – ordena ele –; logo encontrarão uma jumenta amarrada,
com um jumentinho ao lado. Desamarrem-nos e tragam-nos para mim. Se alguém perguntar algo, digamlhe que o Senhor precisa deles e logo os enviará de volta.
Então Jesus e os outros 10 discípulos seguem viagem. Sabendo que voltarão à casa de Lázaro à noite,
levam pouca bagagem, não havendo necessidade de carregar o saco de mantimentos ou os cajados
exibidos pela maioria dos peregrinos.
Multidões se reúnem em volta de Jesus no caminho e suas vozes trazem o sotaque da região de onde
cada um vem. Os peregrinos estão entusiasmados com o fato de que sua jornada esteja quase chegando ao fim, muitos deles exultantes por estarem na presença de Jesus de Nazaré.
Logo na outra ponta de Betfagé, os dois discípulos estão à espera. Um deles segura as rédeas de um
jumento que nunca serviu de montaria antes.
O animal não está selado.
Um discípulo retira seu manto quadrangular e o deposita sobre as costas do animal à guisa de sela. Os outros discípulos também despem seus mantos e os estendem no chão num gesto de submissão, formando um tapete sobre o qual o jumento possa passar. Seguindo o exemplo, muitos peregrinos tiram o próprio manto e o estendem no chão.
Outros reúnem folhas de palmeiras ou galhos partidos de oliveiras e ciprestes e os balançam no ar
com alegria. Este é o sinal que todos vinham esperando. O cumprimento da profecia de Zacarias.
– Bendito é o rei! – grita um discípulo. Os demais presentes se juntam a ele, aclamando Jesus e chamando seu nome.
– Hosana – cantam eles. – Hosana nas alturas.
Jesus segue em frente montado no jumento e as pessoas se curvam.
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