Como José sendo carpinteiro habilidoso, ele pode pagar seus impostos. E, na realidade, a maioria das pessoas alí na Galiléia consegue fazer o mesmo, mas com muito esforço. Muitos galileus eram subnutridos por não lhes sobrar comida suficiente para se alimentarem direito. E enquanto sofrem de fome, seus cabelos caem e tanto seus músculos quanto sua esperança definham, uma raiva silenciosa cresce dentro deles.
Porém, em vez de culpar Roma ou César Augusto, o povo da Galileia começa a dirigir seu ódio uns contra os outros, deixando de emprestar grãos ou azeite a seus amigos e parentes por medo de que seu próprio estoque não lhes chegue e ignorando a tradição judaica de perdoar as dívidas.
A comunidade camponesa unida que se sustentara por tantas gerações, passando pelo domínio dos gregos, dos persas e dos assírios, começa a ruir sob o controle de Augusto e Antipas.
As grandes lendas do povo judeu falam sobre heróis de sua fé erguendo-se para derrotar invasores estrangeiros.
O povo anseia pelos dias gloriosos do rei Davi, tantas centenas de anos atrás, quando os judeus eram seus próprios mestres e Deus era a força incontestável e mais poderosa de todo o cosmos. Os habitantes da Galileia são livres pensadores. Sua crença inabalável em que no final eles irão controlar seu próprio destino é um dos motivos pelos quais a exortação de Judas de Gamala para que eles se sublevassem contra Roma teve um impacto tão profundo.
Nessa crença há esperança. As atribulações na região e a crueldade de Roma fizeram ressurgir a fé no poder do Deus judeu, ao qual eles oram, pedindo que lhes traga salvação, força e alívio. Esse era o mundo em que vivia um certo jovem Jesus de Nazaré chamado Jesus.
Essas são as orações que ele ouve todos os dias. A promessa da libertação provinda de Deus é um raio de luz que consola o povo oprimido da Galileia. Um dia, se eles resistirem, Deus irá enviar alguém para fazer justiça, como o fez com Abraão, Moisés, Daniel, Sansão e Davi. Dez anos após a morte de Herodes, o Grande, os habitantes de Nazaré, o vilarejo de Jesus, assim como os de toda a região, esperam ansiosamente um novo rei dos judeus.
Não se sabe até que ponto Jesus é afetado por toda essa turbulência em sua cidade. Ele cresce e se torna um homem forte, que respeita seus pais. José morre em algum momento em meado dos 13 e os 30 anos de Jesus, deixando o responsável da família.
Jesus continua dedicado à mãe, e ela ao filho. Porém, ao completar 30 anos, Jesus de Nazaré sabe que não pode mais ficar em silêncio.
É chegada a hora de cumprir o seu destino é uma decisão que irá mudar o mundo que inevitavelmente também levará Jesus à sua dolorosa morte.
Se vê a beira Rio Jordão, Pereia era 26 d.C. por volta meio-dia um homem batisava seus dicípilos. João Batista está submerso até a cintura no rio frio e turvo, esperando pacientemente que o próximo peregrino atravesse a água e chegue ao seu lado. Ele olha para o litoral, onde um grande número de fiéis faz fila às margens lamacentas do rio Jordão, ignorando o calor enquanto esperam passar pela imersão ritual que irá lavar seus pecados segundo a pregação do último dos profetas.
Os fiéis são em sua maioria trabalhadores pobres. Estão encantados com João e seus ensinamentos radicais. O jovem de cabelos longos, pele queimada de sol e barba desgrenhada disciplinou-se a viver sozinho no deserto, sobrevivendo com uma dieta de gafanhotos, que lhe dão proteína, e mel, que lhe dá energia. Sua roupa não é a toga elaborada dos fariseus arrogantes que o observam da margem do rio, mas uma túnica grosseira feita de pele de camelo, presa com firmeza em volta da cintura por um cinto de couro simples.
João é celibatário; sua paixão é dedicada a Deus e somente a Deus.
Alguns o consideram excêntrico, outros um rebelde, e muitos acham ríspida sua forma direta de falar, porém todos concordam que ele é profeta e teve a ousadia de lhes prometer algo que nem Roma nem os sacerdotes podem oferecer: esperança. Assim, os fiéis vieram cobrar essa promessa. O fim do mundo como o conhecemos está próximo, prega João. Um novo rei virá fazer justiça.
Entrem na água e limpe-se de seus pecados, ou esse novo governante ungido – esse “Cristo” – irá puni-los da forma mais horrenda possível. É uma mensagem ao mesmo tempo religiosa e política, que desafia diretamente o Império Romano e a hierarquia do Templo judeu. João estende o braço ao próximo peregrino que se aproxima. Mas antes que possa batizar o homem, um coletor de impostos exclama na margem:
– Mestre, o que devemos fazer?
Ele fala em nome de sua profissão, sabendo muito bem que é desprezado por extorquir dinheiro judeu para um rei pagão em Roma.
– Não coletem nada além do que foi estipulado – responde João. Há pouca sombra às margens do Jordão, e os fiéis vinham esperando pacientemente pela oportunidade de serem submergidos na água fria do rio. Mas, apesar do desconforto, todos ouvem com atenção o que João tem a dizer.
– E nós, o que devemos fazer?
– Pergunta um soldado.
É do conhecimento de todos que muitos soldados cometeram atos condenáveis em nome de Tibério, o pervertido e odiado novo imperador.
A resposta de João, entretanto, não é condenatória.
– Não pratiquem extorsão nem acusem ninguém falsamente; contentem-se com o seu salário. Batista torna a voltar sua atenção para o homem parado ao seu lado no rio. Ele ouve atentamenteenquanto o homem confessa seus muitos pecados. Então, ora para ele:
– Eu os batizo com água.
Mas virá alguém mais poderoso do que eu, tanto que não sou digno seguer de desamarrar as correias das suas sandálias. Ele os batizará com o Espírito Santo.
Apenas um escravo receberia a tarefa de desamarrar as sandálias de um homem, de modo que essas palavras são poderosas, uma imensa demonstração de respeito.
Enquanto o peregrino assente, João pousa uma das mãos no centro das costas do homem e o faz baixar lentamente em direção à água, mantendo-o submerso por alguns segundos e erguendo seu tronco em seguida. O peregrino, aliviado, seus pecados agora perdoados, atravessa a correnteza lenta de volta à margem. Antes de ele alcançar a beira do rio, outro fiel já se aproxima para experimentar a mesma sensação.
– Quem é você?
– Indaga com firmeza uma voz vinda da margem.
João estava esperando por isso. A pergunta feita em tom arrogante vem de um sacerdote, enviado de Jerusalém para avaliar se João estaria cometendo heresia. O homem santo não está sozinho, tendo feito a viagem em companhia de outros fariseus, saduceus e levitas.
– Eu não sou o Cristo –
_Exclama João em resposta.
Os sacerdotes sabem que ele se refere ao novo rei judeu, um homem como Saulo e Davi, os grandes governantes de gerações passadas que foram escolhidos por Deus para liderar os israelitas.
– E então, quem é você?
– Pergunta um deles.
– É Elias?
João já havia ouvido essa comparação antes. Assim como ele, Elias era um profeta que pregava que o fim do mundo estava próximo.– Não – responde João com firmeza.
– Quem é você? – torna a perguntar o sacerdote. – Dê-nos uma resposta, para que a levemos àqueles que nos enviaram. João prefere invocar as palavras do profeta Isaías, um homem cujo nome significa “o Senhor salva”.
Ele vivera 800 anos antes e diz-se que seu martírio foi ser serrado ao meio por conta das muitas profecias audaciosas que fez. Em uma dessas previsões, Isaías disse que um homem viria contar ao povo sobre o dia em que o mundo chegaria ao fim e Deus surgiria na Terra. Esse homem seria “a voz do que clama no deserto”, pedindo que “façam um caminho reto para o Senhor”.
João havia orado e jejuado por vários dias. Ele acredita piamente que é o homem sobre quem Isaías escreveu. Mesmo que sofra uma morte terrível, ele se sente obrigado a viajar de cidade em cidade,
contando a todos que o fim do mundo está próximo e que, para se preparar, eles devem ser batizados. – Quem é você? – voltam a perguntar os sacerdotes, elevando o tom de voz, ficando mais irritados e insistentes.
– Eu sou a voz que clama no deserto – responde João.
Os sacerdotes do Templo não são os únicos oficiais que observam João Batista de perto. Da nova capital Tiberíades, construída em uma escala ainda mais grandiosa do que Séforis, Herodes Antipas enviou espiões ao rio Jordão para vigiar cada passo dele. João Batista éra o principal assunto na Galileia, e Antipas teme que esse evangelista carismático acabe levando o povo a se rebelar contra ele.
Antipas está preparado para lidar com João da mesma maneira que lidou com Judas de Gamala há quase 20 anos. Mas a mensagem não violenta de João o torna uma ameaça muito maior. A vida na Galileia se tornou ainda mais difícil desde a execução de Judas.
A decisão de erguer Tiberíades às margens ensolaradas do mar da Galileia uma década depois de reconstruir Séforis aumentou o fardo tributário dos galileus. Como em todos os projetos arquitetônicos de Antipas, ele não poupou gastos. Os camponeses da Galileia têm que pagar ainda mais impostos para cobrir esses custos da obra.
O nome Tiberíades foi dado à nova cidade em homenagem ao imperador romano que sucedeu o falecido César Augusto. Tibério havia sido um grande general no passado, defendendo Roma dos bárbaros germânicos. Mas uma vida de infortúnios pessoais o transformou em um homem horrível. Ele não conhece limites.
Um de seus divertimentos é nadar com “peixinhos” escolhidos a dedo, meninos nus cuja função é persegui-lo pela piscina imperial e mordiscá-lo entre as pernas.
Dentre as inúmeras depravações do imperador, essa é a menos grave, mas Antipas sabe que não está em posição de condená-lo moralmente. Mesmo após mais de duas décadas de poder, ele governa unicamente segundo as ordens de Roma. E, além disso, Antipas tem seu próprio histórico de depravações.
Ele se divorciou de sua esposa e se casou com a esposa do irmão, uma atitude abominável aos olhos do povo judeu. De modo que, além de planejar matar João Batista – um homem cujo único crime é falar abertamente de sua paixão pela vinda do Senhor –, Antipas batizou a capital da devota província judaica em homenagem a um pagão de 68 anos que realiza orgias em sua casa particular e elimina seus inimigos atirando-os de cima de um penhasco de 300 metros de altura.
E, embora Antipas se recuse a condenar moralmente Tibério, o homem cruel que controla seu destino, Batista não possui os mesmos pudores.
Em Jerusalém há uma aliança inquietante entre fé e política, e essa relação profana também segue os passos de Batista. Desde que Augusto declarou Arquelau, filho de Herodes, o Grande, incapaz de governar 20 anos atrás, quatro outros governadores romanos estiveram no controle da Judeia. O quinto acaba de chegar. Seu nome é Pôncio Pilatos.
Enquanto João Batista prega às margens do rio Jordão e Jesus de Nazaré está prestes a quebrar os anos de silêncio autoimposto a respeito de sua identidade, Pôncio Pilatos desembarca na cidade fortificada de Cesareia para ocupar o cargo recentemente vagado por Valério Grato.
Pilatos vem da Itália central e é membro da classe equestre e ex-soldado. Corpulento e arrogante, é casado com Cláudia Prócula, que o acompanha até a Judeia. Trata-se de uma nomeação desanimadora, porque a Judeia é conhecida por ser muito difícil de governar. Mas, caso seu marido se destaque nesse posto diplomático remoto, os poderosos de Roma talvez possam garantir a transferência de Pilatos para um lugar melhor.
Pilatos não é amigo dos judeus. Um de seus primeiros decretos oficiais é ordenar que tropas romanas em Jerusalém decorem os estandartes com bustos do imperador Tibério. Quando o povo
protesta contra essas imagens, que são ídolos proibidos pela lei judaica, Pilatos toma a decisão de ordenar que seus soldados cerquem os manifestantes e desembainhem a espada como se pretendessem começar um ataque.
Os judeus nem sequer cogitam recuar. Em vez disso, inclinam-se para a frente e estendem o pescoço, deixando claro que estão dispostos a morrer por tudo aquilo em que acreditam.
É a primeira vez que Pilatos vê com os próprios olhos o poder da fé judaica. Ele ordena que seus homens retrocedam e os estandartes são removidos.
Pilatos então desenvolve uma nova estratégia para lidar com os judeus: decide formar uma complicada aliança com o sacerdote mais poderoso do Templo de Jerusalém. Caifás vem de uma família de sacerdotes e vive em uma casa luxuosa na Cidade Alta. Ele possui total poder sobre a vida religiosa em Jerusalém, inclusive no que diz respeito à aplicação da lei judaica – mesmo que isso signifique condenar um homem ou uma mulher à morte.
É claro que, embora ele possa proferir esse tipo de sentença, é o governador romano quem decide se ela será executada ou não.
Pilatos é um romano pagão. Caifás é judeu. Eles adoram deuses diferentes, comem comidas diferentes, têm diferentes expectativas para o futuro e falam línguas diferentes. Pilatos está sob o
comando de um imperador divino, enquanto Caifás está sob o comando de Deus. Mas os dois dominam a língua grega e acreditam que têm o direito de fazer tudo o que for preciso para permanecerem no poder.
Dessa forma, a política e a fé mantêm a Judeia numa camisa de força. E agora é Caifás quem desempenha o seu papel nessa parceria, enviando um grupo de autoridades religiosas para avaliar com um olhar crítico o ministério de João Batista.
E João prega .
– Raça de víboras! Para os sacerdotes do Templo que vieram até a beira do rio para questioná-lo. – O machado já está posto à raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será
cortada e lançada ao fogo. Todos os olhos se voltam para as autoridades religiosas estupefatas e depois fitam João novamente, à espera do que ele dirá em seguida.
Embora todos saibam que alguns desses homens eruditos são extremamente hipócritas, ninguém ousa criticá-los em público. Porém João, de forma desafiadora, exige que os fariseus e saduceus sejam batizados ou queimem no fogo eterno.
Os clérigos ficam chocados com as palavras de João, mas não dizem nada.
João volta a dar atenção aos numerosos fiéis que vieram para ser batizados. Camponeses, artesãos, coletores de impostos e soldados – todos respeitam seu estilo de vida monástico, assim como sua franqueza e seu vigor.
Há uma independência destemida em seu comportamento que muitos querem imitar. Ele parece imune às ameaças de Roma. Alguns na multidão estão curiosos para saber se João paga seus
impostos – e, se não, o que acontecerá com ele.
Acima de tudo, o que cada um dos presentes se pergunta no fundo do coração é se o próprio João não seria o Messias sobre o qual ele prega.
A resposta vem no dia seguinte. João está mais uma vez parado nas águas do Jordão. O vilarejo de Betânia está atrás dele, na margem oposta. Como de hábito, o dia está quente e os fiéis aguardam em longas filas para serem batizados.
Ao longe, João nota que um homem vem andando em direção ao rio. Assim como ele, Jesus de Nazaré tem cabelos longos e barba. Ele usa sandálias e uma túnica simples. Seus olhos são claros, e seus ombros, largos como os de um trabalhador. Ele parece mais jovem que João, mas não muito.
De repente, uma pomba pousa no ombro de Jesus.
Ele não faz menção de espantá-la, e a pompa parece contente em permanecer ali.
Essa pomba muda tudo. Neste momento, a ira que tantas vezes parece alimentar as palavras de Batista desaparece. Ela é substituída por seu assombro ao perceber que sua visão se tornara realidade.
Sob os olhares da multidão de peregrinos, João se aproxima de Jesus, boquiaberto. – Vejam! É o Cordeiro de Deus. Eu vi o Espírito descer dos céus como pomba e permanecer sobre
ele. Eu não o teria reconhecido se aquele que me enviou para batizar com água não me tivesse dito: “Aquele sobre quem você vir o Espírito descer e permanecer, esse é o que batiza com o Espírito Santo.”
Eu vi e testifico que este é o Filho de Deus. Os fiéis se colocam de joelhos e pressionam o rosto contra a terra. Jesus não reage a esse gesto de adoração, mas também não faz nada para desencorajá-lo. O Nazareno simplesmente entra na água e se coloca ao lado de João, esperando para ser batizado.
João está perplexo.
– Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?
Jesus não esclarece sua identidade. É um simples carpinteiro, um construtor que trabalhou a vida inteira. Ele memorizou os salmos e as Escrituras, paga seus impostos e toma conta de sua mãe. Para o observador comum, ele não passa de um entre tantos trabalhadores judeus. Não há nenhum sinal óbvio de sua divindade.
Na cultura judaica, autoproclamar-se Deus é um crime capital. Então, falando baixinho com João
Batista, Jesus declara sua identidade. Inclinando a cabeça para aceitar a água do batismo, Jesus diz a João:
– Deixe assim por enquanto; convém que assim façamos, para cumprir toda a justiça. João pousa uma das mãos nas costas de Jesus e o submerge lentamente na água.
– Eu o batizo com água para arrependimento – diz João ao mergulhar Jesus na correnteza.
Ele então o ergue.
– Eu vi e testifico que este é o Filho de Deus – grita João. “Filho de Deus” é um título de realeza, indicativo de que aquele assim chamado é o Messias. Trata-se do título que foi atribuído ao rei Davi. Acredita-se que, quando o Messias voltar, ele será o rei dos
judeus, assim como Davi, o monarca perfeito. As pessoas ao redor compreendem “Filho de Deus” como
um título davídico, o ungido, que vem assumir o papel de governante e rei.
A multidão permanece ajoelhada enquanto Jesus volta à margem e segue seu caminho. Ele se dirige ao deserto para jejuar por 40 dias e 40 noites.
Essa é uma jornada que ele faz espontaneamente, sabendo que precisa confrontar e derrotar toda e qualquer tentação para purificar sua mente e seu corpo antes de pregar publicamente sua mensagem de fé e esperança.
O trabalho de João Batista está concluído. Mas, junto com isso, seu destino foi selado.
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